quinta-feira, 8 de março de 2012

"UMA GAIVOTA SATISFAZ AS ASAS NO AZUL" - Soares Teixeira



Uma gaivota satisfaz as asas no azul
em silêncio
era o pássaro que faltava
o pássaro que saiu do cavalete do instante
para que naquele suave estremecimento
de manhã que se anuncia
a memória subisse pelas raízes
da grande e velha árvore
onde um dia brilhou
um alvoroço de juventude
era o pássaro que faltava
e trazia no bico
aquele telheiro de folhas
que foi a casa do nosso primeiro beijo


Soares Teixeira

quarta-feira, 7 de março de 2012

"O DESEJO NAVEGA NO SANGUE" - Soares Teixeira



O desejo navega no sangue
o prazer tem um pescoço longo
que sorve a catarata do instante
as mãos alongam-se como poentes
e afagam o feno da pele
que é macio e cheira a nuvem
os músculos são os lábios da carne
a boca beija o gemido
contraem-se as nádegas do touro
e a estrela recebe o lírio de bronze
tudo está em harmonia com o trigo que cresce
tudo é ânimo de astro tudo é trepadeira de luz
tudo é próximo e distante tudo é solene e sagrado
tudo é infinito no convés do lugar
não há casas não há muros não há caminhos
há apenas um tudo de rosto voltado
para uma praia que são braços
e uma trombeta de som arqueado
que penetra nas nervuras do horizonte
e morde o fogo com um riso quase humano


Soares Teixeira

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Carnaval de Veneza 2012





Regressei ao Carnaval de Veneza. Único, intenso, indescritível. Viver este Carnaval - devidamente vestido - é uma experiência inesquecível. E viver o Carnaval de Veneza é ir aos concertos, às festas, aos museus, às igrejas, aos palácios, e este ano. Este ano participei na Vogata del Silenzio, um fabuloso desfile nocturno de gôndolas de Rialto a São Marcos.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

"AMOR" - Soares Teixeira



Um golfinho lunar
regressa à casa dos astros
rápido e certeiro
como se de há muito conhecesse
todos os caminhos do universo
no seu olhar há uma juventude
que esconde o tempo inteiro
e no seu dorso vamos nós
de pupilas embriagadas pelo ser
que na nascente de cada um
dança nos píncaros
de uma montanha sagrada
Estarmos de cabeça erguida
é pertencermos à solenidade
de um antiquíssimo encontro
é sermos inteiramente
o chão do nosso caminho
é sabermos comer frutos amargos
sabendo que também eles são parte
da viagem
Estarmos unidos
é recebermos o trigo que nos pertence
e com o mesmo gesto oferecê-lo
aos deuses que nos deram
a humanidade
e o amor


Soares Teixeira

domingo, 5 de fevereiro de 2012

"SÓ NÓS PRÓPRIOS" - Soares Teixeira




Só nós próprios nos podemos reconstruir
ninguém é interior aos nosso medos
ninguém respira a nudez da nossa solidão
ninguém conhece os muros do nosso labirinto
Só nós próprios gesto a gesto palavra a palavra
podemos ser oferenda aos nossos abismos
e atravessar o impossível para nos reunirmos
à esperança dos céus matinais
Só nós próprios podemos pintar de branco
a casa do nosso combate
e plantar a claridade no jardim do amanhã
só nós impiedosamente nós próprios


Soares Teixeira

sábado, 4 de fevereiro de 2012

"OLHEI-TE" - Soares Teixeira



Olhei-te
do convés do meu olhar
e vi-te
estavas a enfeitar a distância
com aquele sorriso
com que me disseste adeus
derramei nas águas
a minha parte que te pertence
e fiquei a ver
do convés do meu navio
duas saudades
que se abraçavam
naquele fim de tarde
longo vermelho
e alheio ao tédio dos deuses


Soares Teixeira

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

"OLHAVAS-ME" - Soares Teixeira


Olhavas-me
como páginas de um livro
levadas pelo vento
quis desenhar uma flor
no rodapé
de um qualquer fragmento
de instante
desses
onde te espelhavas
mas o meu sorriso
nunca conseguiu
alcançar as asas
com que me enfeitiçavas
hoje
recordar-me de ti
é olhar para um rio longínquo
onde cintila a luz
de um sol ao entardecer
sim
ainda me fazes
libertar um sorriso
mas já sem asas
um sorriso
no canto de uma página
de acaso
que se mistura
com as outras folhas
que um dia habitaram
a árvore
onde um dia pousaste
a árvore
que sempre fui
sou e serei


Soares Teixeira