quarta-feira, 3 de agosto de 2011

"VOANDO SOBRE OS AREAIS DA HISTÓRIA" - Soares Teixeira


Voando sobre os areais da História
um pássaro observa como se repetem
os sorrisos fáceis e as promessas em flor
os mesmos incautos - perdidamente confiantes
os mesmos inocentes, os mesmos chacais
tudo igual, tudo água da mesma fonte
e no seu peito invadido de horizonte
o pássaro já não guarda esperança
sente-se feliz por não ser abutre
e muito menos Homem



Soares Teixeira

terça-feira, 2 de agosto de 2011

"O POETA E OS RATOS" - Soares Teixeira


Três ratos de olhar brilhante
como um estilete de aço
conspiram contra o poeta

Sete lágrimas afiadas
sete mares em cada braço
sete árvores plantadas
em sete palavras de aço
eis o poeta

De horizonte na lapela
com o amanhecer nos passos
com um sorriso a fazer de vela
e um toque de ironia
o poeta caminha
por trilhos de fantasia
espalhando verdades
que só outro poeta adivinha
e assim vai caminhando
por entre laranjais, mistérios
sonhos e adversidades
assim vai
seguido pelos ratos
que em três abraços
celebram a gorda maquinação

Assim é o mundo
assim gira e há-de girar
uma bola suspensa no ar
onde sempre haverá
um poeta a cantar
e três ratos a conspirar



Soares Teixeira

terça-feira, 19 de julho de 2011

"POBRES MULHERES DO MAR" - Soares Teixeira


Dos terraços do olhar
as mulheres do mar
estendem os braços
aos ventos que ondulam
à volta do mundo
entre os seus cabelos
há uma folhagem de solidão
entre os seus lábios
há sussurros pesados
entre os seus dedos
há uma espera sem nome
As mulheres do mar
encostam-se
às colunas de si mesmas
abandonadas a um desejo longo
destroçadas pelas cabeças das ondas
que nunca mostram os seus olhos
para que não seja possível adivinhar
se são vivos ou mortos
os seus homens
os homens das mulheres do mar
que em mapas de inquietação
escavam sonhos no vazio
em busca
do outro lado do luar

Pobres mulheres do mar
a sua saudade é um suor
que lhes escorre do olhar
o seu gesto abre o longe
mas nenhum pássaro revela o navio

Silêncio
apenas silêncio
cortado pelo vento
e pelo som do mar

Pobres mulheres nos terraços do olhar
pobres mulheres do mar



Soares Teixeira

quarta-feira, 15 de junho de 2011

"UM DIA" - Soares Teixeira


Um dia
fomos dois pássaros
poisados na primavera
uma promessa
um princípio
um poema
uma leveza de pluma
uma lentidão de nuvem
um rumor de folhagem
Um dia
estendidos ao sol fomos sol
correndo ao vento fomos vento
abraçando-nos fomos paisagem
amando-nos fomos horizonte
Um dia
fomos dois frutos
da mesma árvore
um cântico
uma festa
um delírio
um repouso
uma eternidade
Um dia
construímos este agora
e agora
enfeitados de futuro
somos todo o azul
que nasce do olhar
agora
sem labirintos
sem penumbras
e sem medos
atravessamos o interior dos instantes
frontais ao respirar do tempo
livres
como dois finos fios de vinho
que se uniram
perante o rosto do destino
para em liberdade celebrar
a construção do amor


Soares Teixeira

terça-feira, 14 de junho de 2011

"POETA" - Soares Teixeira


Poeta
carpinteiro de sonhos
cósmico, iluminado
infeliz, desgraçado
a quem os ratos roem a razão
a quem os vermes vigiam a condição
a quem os abutres vêm como refeição
Poeta
alavanca do pensamento
tear de mantos mágicos
unguento que cicatriza feridas
agulha que cose futuro
Poeta
és um perigo
uma mola quebrada
o inverso de uma roda dentada
uma caixa cheia de nada
Poeta
és um castigo
e terás sempre por inimigo
um insecto servil
pronto a dar-te uma picada
Poeta
recebe o veneno
recebe a mentira
e com a tua lira
e com o teu arco
lança a palavra
porque o teu grito será repetido
e a tua força será maior
que a farsa de bichos
sem coragem
e nenhum valor



Soares Teixeira

domingo, 22 de maio de 2011

"ESTE POEMA QUE SOU" - Soares Teixeira


Este poema que sou
estas palavras por onde vou
são o ponto de partida
de uma viagem
que não sei quando começou
nem quando estará concluída
Este poema em que me tornei
estas palavras em que me transformei
são a cabeça de um tigre
a rugir na distância
são as asas de um pássaro
a reclamar o azul
são os ramos de uma árvore
entregues a uma dança ritual
são as ondas do mar
a florescer na lonjura
são um risco traçado
no chão que me foi destinado
são uma lança primitiva
que leva um grito na ponta
são uma semente, um animal
uma safira, uma manhã inaugural
são um arado
são uma harpa numa ilha
são um estandarte num promontório
são um chicote de vento
sou eu a renascer
são a minha carne de sangue e lágrimas
são os meus ossos de aurora e sonho
são os rios e as pétalas dos meus gestos
atirados ao peito de um chão novo
um chão de mim mesmo
feliz ao dizer
que as palavras são paisagens
sob um céu por acontecer


Soares Teixeira

sábado, 16 de abril de 2011

"ÉRAMOS A MAIS IMPROVÁVEL MANHÃ" - Soares Teixeira


Éramos a mais improvável manhã
e fomos tudo o que não podia ser
pegada do impossível
centro do vazio
túlipa do tempo
harpa de lava vulcânica
Éramos a mais improvável manhã
e fomos tudo o que teve de ser
olhar que remove montanha
abraço que alcança cometa
beijo que sobe cascata
união que canta floresta
Porque éramos
a mais improvável de todas as manhãs
fomos o mais frontal início
a mais pura aurora
o mais eterno alvoroço
o mais consumado desejo
Porque éramos
a mais esperada de todas as manhãs
ficámos entrançados com o luar
ficámos a baloiçar num fio de sonho
ficámos riso atirado ao vento
ficámos um só gesto um só pensamento



Soares Teixeira