FRÁGEIS
Apetece-me escrever ao acaso;
escrever como quem anda por aqui e por ali, sem rumo. Ir e não olhar para trás,
ir pela rua de uma cidade, ou num trilho de floresta, ou junto à praia. Apenas
ir, um passo à frente do outro, ir, uma palavra à frente da outra, ir, sem
pensar em nada, ir, sem pensar onde vou, ir, sem saber porque vou, ir, apenas e
tanto, porque sou levado. E o que me leva? Sim…, o que me leva?…
Às vezes o branco é preferível a
qualquer cor, o branco é aconchegante. Aconchego-me no branco. Um branco liso,
enorme, imenso, quase infinito. Branco, branco, branco, e um desejo que esse
branco seja realmente infinito - infinita brancura. Recolho-me no branco como
um bicho se recolhe num lugar secreto, por razões que só ele sabe. Visto-me de um
branco, que não é roupa, não é sequer matéria, não existe, contudo, é branco –
posso afirmá-lo.
Vai-te coisa quase centopeia, coisa
chamada ’explicação’. Aconteceu. Não a mim, mas a alguém que muito estimo. O
quê? Porquê? Pouco sei. Mas esse pouco é muito. Ah! Esta porra deste mecanismo
humano!...
Caminhar, caminhar, caminhar, ao acaso.
Escrever, escrever, escrever, ao acaso. É Verão, está um lindo dia de sol, aquilo
que é familiar convida, aquilo que é novo convida, o mundo convida. O mar e o
céu continuam unidos, e com a mesma voz, convidam, com os mesmos braços
estendidos, convidam. Porque falo eu no
branco? Porque venho eu dizer que o branco é aconchegante? Melhor continuar a
caminhar, caminhar, sem rumo certo, passo atrás de passo, palavra atrás de
palavra, caminhar sem mapa. Está ali uma esquina é nela que agora vou virar - porquê?
Sei lá! Porque sim! – agora vou por aqui, agora vou por aquela rua, passo a
passo, palavra a palavra. Apanhei uma flor não sei já onde; se num canteiro, se
junto a um muro velho, se da mão de uma pessoa amiga (o mais provável) –
apanhei-a e vai comigo, e eu vou com ela e talvez seja essa flor (é certamente)
a razão de eu hoje e agora me apetecer ir, passo a passo, por aqui e por ali,
ir simplesmente, palavra atrás de palavra.
Quando era miúdo sonhava muitas
vezes que voava, sem peso, como que na posse de uma qualquer antiquíssima faculdade,
presente nos seres humanos, um vestígio, mas que em mim, de vez em quando surgia
em toda a sua plenitude e…, voava. Depois, acordado, recordava-me com agrado desses
sonhos e pensava que seria interessante eu voar; voar a sério, na realidade das
coisas palpáveis, como os relógios e as árvores e o mar. Hoje, agora, a minha
dimensão perante a fragilidade do maquinismo que somos encolhe-me, reduz-me o
tamanho, sinto-me um miúdo, e olho-me de fora, e olhando-me, vejo-me, escondido
a um canto, de cócoras, triste e sem vontade de voar. Mas eis que o miúdo se levanta,
aponta-me o dedo e diz: “Tu ainda gostas de voar! Tu voas”. Bom, verdade seja
dita, o miúdo tem razão. É verdade: às vezes voo, abro as asas e voo. E também é
verdade que gosto de voar acompanhado.
Seguro a flor entre os dedos,
pelo caule, e faço-a girar. Com este movimento de rotação as cores regressam às
suas respectivas casas, que são o mar, uma pedra, uma árvore, uma formiga, um
pássaro, etc., etc, etc, - haverá fim? – e eu vejo-as regressar ao aconchego das
suas habitações e sinto-lhes os sorrisos e os cheiros e consigo mesmo escutar
alguns dos sons que produzem – murmúrios distantes, porém audíveis. E enquanto
giro a flor entre os dedos caminho à beira-mar, com os pés dentro da água, e o
meu olhar é o da saudade de um certo vento…, de uma certa luz…, de uma certa
ousadia…, de uma certa pura poesia…
E falamos, eu e o miúdo,
falamos sim, e dizemos à flor: Força! Força, Minha Amiga!
Soares Teixeira – 30-07-2022
(dedicado a uma Amiga que está a atravessar um mau momento de saúde)