domingo, 3 de julho de 2022

"O TEMPO SUJO", ALEXANDRE O'NEILL

 


O Tempo Sujo

Há dias que eu odeio
Como insultos a que não posso responder
Sem o perigo duma cruel intimidade
Com a mão que lança o pus
Que trabalha ao serviço da infecção

São dias que nunca deviam ter saído
Do mau tempo fixo
Que nos desafia da parede
Dias que nos insultam que nos lançam
As pedras do medo os vidros da mentira
As pequenas moedas da humilhação

Dias ou janelas sobre o charco
Que se espelha no céu
Dias do dia-a-dia
Comboios que trazem o sono a resmungar para o trabalho
O sono centenário
Mal vestido mal alimentado
Para o trabalho
A martelada na cabeça
A pequena morte maliciosa
Que na espiral das sirenes
Se esconde e assobia

Dias que passei no esgoto dos sonhos
Onde o sórdido dá as mãos ao sublime
Onde vi o necessário onde aprendi
Que só entre os homens e por eles
Vale a pena sonhar.

 

 Alexandre O'Neill 

 

 https://alexandreoneill.bnportugal.gov.pt/o-tempo-sujo/

 

 

terça-feira, 14 de junho de 2022

"HAVIA NELAS", ROSA LOBATO DE FARIA

 


 

Havia nelas

alguma coisa de excessivamente engomado

que sugeria

a vida espreitada das pequenas cidades.

 

Havia nelas

O cansaço de comboios nocturnos

de malas e cestos longamente arrastados.

 

Havia nelas

a desenvoltura nos trâmites de hospital

nas vias indirectas da repartição pública

com que o turista

suplanta no museu os naturais.

 

Havia nelas

um gesto de sacudir da saia

migalhas dum farnel imaginário

de cobrir os joelhos com casacos de malha.

 

Havia nelas

uma sombra de buço

um olhar oblíquo

um esgar descaído de censura.

 

Havia nelas

tantas pequenas virtudes

tantas pequenas certezas

que a vida se foi delas agastada

a oferecer a outras

seus tesouros.

 

as dúvidas as dores os frutos e os risos.

 

 

Rosa Lobato de Faria, in “Poemas Escolhidos e Dispersos”

 

 

sexta-feira, 10 de junho de 2022

sexta-feira, 20 de maio de 2022

20 DE MAIO DE 20O2 - INDEPENDÊNCIA DE TIMOR-LESTE

 

Passam 20 anos sobre a data da Independência de Timor-Leste. Um grande Povo, uma grande Luta, um futuro pela frente.

 

Mensagem do Secretário Geral das Nações-Unidas


 
 
 


 

 

 

domingo, 15 de maio de 2022

"UM CAMPO BATIDO PELA BRISA", FERNANDO ASSIS PACHECO

 


Um Campo Batido pela Brisa

A tua nudez inquieta-me.

Há dias em que a tua nudez
é como um barco subitamente entrado pela barra.
Como um temporal. Ou como
certas palavras ainda não inventadas,
certas posições na guitarra
que o tocador não conhecia.

A tua nudez inquieta-me. Abre o meu corpo
para um lado misterioso e frágil.
Distende o meu corpo. Depois encurta-o e tira-lhe
contorno, peso. Destrói o meu corpo.
A tua nudez é uma violência
suave, um campo batido pela brisa
no mês de Janeiro quando sobem as flores
pelo ventre da terra fecundada.

Eu desgraço-me, escrevo, faço coisas
com o vocabulário da tua nudez.
Tenho «um pensamento despido»;
maturação; altas combustões.
De mão dada contigo entro por mim dentro
como em outros tempos na piscina
os leprosos cheios de esperança.
E às vezes sucede que a tua nudez é um foguete
que lanço com mão tremente desastrada
para rebentar e encher a minha carne
de transparência.

Sete dias ao longo da semana,
trinta dias enquanto dura um mês
eu ando corajoso e sem disfarce,
ilumindo, certo, harmonioso.
E outras vezes sucede que estou: inquieto.
Frágil.
Violentado.

Para que eu me construa de novo
a tua nudez bascula-me os alicerces. 



Fernando Assis Pacheco, in “A Musa Irregular”

 

 

 

 

quinta-feira, 5 de maio de 2022

DIA MUNDIAL DA LÍNGUA PORTUGUESA

 

 A grande actriz Carmen Dolores a declamar "QUASE", de Mário de Sá-Carneiro