O poeta tem olhos de água para reflectirem todas as cores do mundo, e as formas e as proporções exactas, mesmo das
coisas que os sábios desconhecem. Em seu olhar estão as distâncias sem mistério que
há entre as estrelas, e estão as estrelas luzindo na penumbra dos bairros
da miséria, com as silhuetas escuras dos meninos vadios
esguedelhados ao vento. Em seu olhar estão as neves eternas dos Himalaias
vencidos e as rugas maceradas das mães que perderam os
filhos na luta entre as pátrias e o movimento ululante das cidades marítimas onde
se falam todas as línguas da Terra e o gesto desolado dos homens que voltam ao lar com
as mãos vazias e calejadas e a luz do deserto incandescente e trémula, e os
gelos dos pólos, brancos, brancos, e a sombra das pálpebras sobre o rosto das noivas
que não noivaram e os tesouros dos oceanos desvendados maravilhando
como contos de fada à hora da infância e os trapos negros das mulheres dos pescadores
esvoaçando como bandeiras aflitas e correndo pela costa de mãos jogadas prò mar
amaldiçoando a tempestade: ‑ todas as cores, todas as formas do mundo se
agitam e gritam nos olhos do poeta. Do seu olhar, que é um farol erguido no alto de um
promontório, sai uma estrela voando nas trevas, tocando de esperança o coração dos homens de todas
as latitudes. E os dias claros, inundados de vida, perdem o
brilho nos olhos do poeta que escreve poemas de revolta com tinta de sol na
noite de angústia que pesa no mundo.
Manuel Da Fonseca “Rosa dos Ventos”(1940)
in Obra Poética, Lisboa, Editorial Caminho, 1984, 7ª ed. revista pelo autor.
Shall I compare thee to a summer's day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date:
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm'd;
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature's changing course, untrimm'd;
But thy eternal summer shall not fade
Nor lose possession of that fair thou ow'st;
Nor shall Death brag thou wander'st in his shade,
When in eternal lines to time thou grow'st;
So long as men can breathe or eyes can see,
So long lives this, and this gives life to thee.
Versão de Vasco Graça Moura
Que és um dia de verão não sei se diga. És mais suave e tens mais formosura: vento agreste botões frágeis fustiga em Maio e um verão a prazo pouco dura. O olho do céu vezes sem conta abrasa, outras a tez dourada lhe escurece, todo o belo do belo se desfasa, por caso ou pelo curso a que obedece da Natureza; mas teu eterno verão nem murcha, nem te tira teus pertences, nem a morte te torna assombração quando o tempo em eternas linhas vences: