quarta-feira, 15 de julho de 2015

"VISCERAL" - Soares Teixeira



O Sol inacabado
daquele primeiro momento
em que a coluna vertebral
da liberdade
se ergueu aos espaços
inacabado será sempre

porque sempre haverá répteis
a nascer das flores
porque sempre haverá fontes
de onde brota a saliva dos chacais
inacabada
será sempre
a luta que se liberta das origens

inacabado
será sempre
o Sol
daquele primeiro punho

 
Soares Teixeira – 15-07-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 14 de julho de 2015

"O ÚNICO CAMINHO" - Soares Teixeira



Sei que poisada no ombro da noite
uma ave respira este estar só
este ser sílaba sem corredores nem salas
este ser silêncio a ondular numa rosa de nada

No cimo de um rumor sem pressa
a ave é o único caminho intacto
que posso percorrer
sem que as hienas nasçam das pedras

Dentro de que sangue conduzir o corpo?
no da brisa dos instantes? no da intimidade do ar?
ou no do brilho dos astros
onde os mistérios fazem ninho?



Soares Teixeira – 14-07-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 23 de junho de 2015

"QUASE UM POEMA DE AMOR" - Miguel Torga




Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.

Miguel Torga, in 'Diário V'