terça-feira, 14 de julho de 2015

"O ÚNICO CAMINHO" - Soares Teixeira



Sei que poisada no ombro da noite
uma ave respira este estar só
este ser sílaba sem corredores nem salas
este ser silêncio a ondular numa rosa de nada

No cimo de um rumor sem pressa
a ave é o único caminho intacto
que posso percorrer
sem que as hienas nasçam das pedras

Dentro de que sangue conduzir o corpo?
no da brisa dos instantes? no da intimidade do ar?
ou no do brilho dos astros
onde os mistérios fazem ninho?



Soares Teixeira – 14-07-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 23 de junho de 2015

"QUASE UM POEMA DE AMOR" - Miguel Torga




Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.

Miguel Torga, in 'Diário V'

quarta-feira, 27 de maio de 2015

"DEVANEIO" - Soares Teixeira



É bom
estar deitado na areia da praia
sem preocupações

crescer do chão
como uma rocha inventada pelo sol
e conversar com as outras rochas
olá, também foste inventada?
fui
e tu?
também
e tu?
também
e o mar?
também
e o céu?
também

depois um beijo em arco
perguntar
tudo bem?

pausa no secreto devaneio
ser
som das ondas
em labor de mistério e renda
sob um céu que  liberta transparência
e responder
sim

crescer em carne da afirmação
e do abraço nascer um outro sol



Soares Teixeira – 27-05-2015
(© todos os direitos reservados)