terça-feira, 23 de junho de 2015

"QUASE UM POEMA DE AMOR" - Miguel Torga




Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.

Miguel Torga, in 'Diário V'

quarta-feira, 27 de maio de 2015

"DEVANEIO" - Soares Teixeira



É bom
estar deitado na areia da praia
sem preocupações

crescer do chão
como uma rocha inventada pelo sol
e conversar com as outras rochas
olá, também foste inventada?
fui
e tu?
também
e tu?
também
e o mar?
também
e o céu?
também

depois um beijo em arco
perguntar
tudo bem?

pausa no secreto devaneio
ser
som das ondas
em labor de mistério e renda
sob um céu que  liberta transparência
e responder
sim

crescer em carne da afirmação
e do abraço nascer um outro sol



Soares Teixeira – 27-05-2015
(© todos os direitos reservados)

terça-feira, 26 de maio de 2015

"COMO BEBER O POEMA" - Soares Teixeira





Voar até ao fim da asa
depois cair no chão da palavra
que é céu

voar para lá do derradeiro gesto
levar água para o vazio
e nele ser ilha com olhar de navio

dar a mão à noite
 e ir devagar devagarinho
com passos de coisa nenhuma

então, numa secreta nudez de viagem
continuar a beber o poema
com lábios de sol



Soares Teixeira – 26-05-2015
(© todos os direitos reservados)

segunda-feira, 25 de maio de 2015

"A ÚLTIMA TULE" - Soares Teixeira




(Tule como Tile na Carta Marina de Magnus)


Aqui estou
neste azul de ser gaivota
com o mar dentro do peito

venho da raiz da distância
e vou em linha de leveza
sempre início de outro lugar

e assim serei
até um dia chegar
à Última Tule



Soares Teixeira – 25-05-2015
(© todos os direitos reservados)