quarta-feira, 15 de junho de 2011

"UM DIA" - Soares Teixeira


Um dia
fomos dois pássaros
poisados na primavera
uma promessa
um princípio
um poema
uma leveza de pluma
uma lentidão de nuvem
um rumor de folhagem
Um dia
estendidos ao sol fomos sol
correndo ao vento fomos vento
abraçando-nos fomos paisagem
amando-nos fomos horizonte
Um dia
fomos dois frutos
da mesma árvore
um cântico
uma festa
um delírio
um repouso
uma eternidade
Um dia
construímos este agora
e agora
enfeitados de futuro
somos todo o azul
que nasce do olhar
agora
sem labirintos
sem penumbras
e sem medos
atravessamos o interior dos instantes
frontais ao respirar do tempo
livres
como dois finos fios de vinho
que se uniram
perante o rosto do destino
para em liberdade celebrar
a construção do amor


Soares Teixeira

terça-feira, 14 de junho de 2011

"POETA" - Soares Teixeira


Poeta
carpinteiro de sonhos
cósmico, iluminado
infeliz, desgraçado
a quem os ratos roem a razão
a quem os vermes vigiam a condição
a quem os abutres vêm como refeição
Poeta
alavanca do pensamento
tear de mantos mágicos
unguento que cicatriza feridas
agulha que cose futuro
Poeta
és um perigo
uma mola quebrada
o inverso de uma roda dentada
uma caixa cheia de nada
Poeta
és um castigo
e terás sempre por inimigo
um insecto servil
pronto a dar-te uma picada
Poeta
recebe o veneno
recebe a mentira
e com a tua lira
e com o teu arco
lança a palavra
porque o teu grito será repetido
e a tua força será maior
que a farsa de bichos
sem coragem
e nenhum valor



Soares Teixeira

domingo, 22 de maio de 2011

"ESTE POEMA QUE SOU" - Soares Teixeira


Este poema que sou
estas palavras por onde vou
são o ponto de partida
de uma viagem
que não sei quando começou
nem quando estará concluída
Este poema em que me tornei
estas palavras em que me transformei
são a cabeça de um tigre
a rugir na distância
são as asas de um pássaro
a reclamar o azul
são os ramos de uma árvore
entregues a uma dança ritual
são as ondas do mar
a florescer na lonjura
são um risco traçado
no chão que me foi destinado
são uma lança primitiva
que leva um grito na ponta
são uma semente, um animal
uma safira, uma manhã inaugural
são um arado
são uma harpa numa ilha
são um estandarte num promontório
são um chicote de vento
sou eu a renascer
são a minha carne de sangue e lágrimas
são os meus ossos de aurora e sonho
são os rios e as pétalas dos meus gestos
atirados ao peito de um chão novo
um chão de mim mesmo
feliz ao dizer
que as palavras são paisagens
sob um céu por acontecer


Soares Teixeira

sábado, 16 de abril de 2011

"ÉRAMOS A MAIS IMPROVÁVEL MANHÃ" - Soares Teixeira


Éramos a mais improvável manhã
e fomos tudo o que não podia ser
pegada do impossível
centro do vazio
túlipa do tempo
harpa de lava vulcânica
Éramos a mais improvável manhã
e fomos tudo o que teve de ser
olhar que remove montanha
abraço que alcança cometa
beijo que sobe cascata
união que canta floresta
Porque éramos
a mais improvável de todas as manhãs
fomos o mais frontal início
a mais pura aurora
o mais eterno alvoroço
o mais consumado desejo
Porque éramos
a mais esperada de todas as manhãs
ficámos entrançados com o luar
ficámos a baloiçar num fio de sonho
ficámos riso atirado ao vento
ficámos um só gesto um só pensamento



Soares Teixeira

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

"NO GRANDE TEMPLO" - Soares Teixeira


No grande templo
mais altas que as imensas colunas
erguem-se em cânticos
vozes antigas enviadas pelo tempo

poisados na orla da eternidade
somos pequenos intrusos
oscilando como frágeis folhas
de uma árvore
no extremo de um promontório
metade de nós é olhar
outra metade sentimento
o corpo é uma página transparente
pronta a receber a escrita do mistério
estendemos os braços
prontos para decifrar e compreender
em vão
tudo é demasiado grande
tudo está fora dos mapas do possível
tudo é incrível

depois lentamente
as vozes vão
não desaparecem
apenas vão
para o interior
da hora eterna em que habitam
e nós ali
tão perto e tão longe
de um extremo que brilha
no peito de cada pedra



Soares Teixeira

domingo, 16 de janeiro de 2011

Noite Gardiana




Mais uma noite de Garda. Mais uma noite Gardiana. Ela cantou, ela tocou, ela dançou, ela encantou, ela brilhou, ela deslumbrou, ela voou. Ela foi simples, ela foi excessiva, ela foi terna, ela foi suave, ela foi arrebatadora. Ela foi ela mesma, e como ela é um Sol nós fomos iluminados. Ela foi Garda e nós fomos pequenos pássaros num ninho Gardiano, deslumbrados com aquela ave imensa e única que se nos entrega completamente e faz com que fiquemos felizes por descobrir que dentro de nós também há muito azul e muitas asas.
A foto acima, tirada ontem, é de minha autoria.



Soares Teixeira

sábado, 15 de janeiro de 2011

"REGRESSASTE" - Soares Teixeira



Regressaste
e na pele tinhas a voz da primavera
regressaste
e em cada gesto acendias os momentos
regressaste
para me levares para o centro da claridade
onde nada podia perturbar o nosso reencontro
regressaste
e fomos
salas silêncios e minúcias
labirintos astros e encruzilhadas
e fomos
duas gotas de orvalho que se juntaram
dois reflexos do mesmo espelho
regressaste
e dançámos
longe do sussurro dos dias
num tempo só nosso
intactos
no interior de um vazio
só nosso
regressaste
e derramámos os nossos sentidos
num beijo
longo
como o horizonte de um poema




Soares Teixeira